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quinta-feira, 6 de março de 2014

Dia 23. Perdidos no tempo


Sábado, 21 de setembro de 2013.
San Pedro de Atacama (0 km).

Visitamos os Geysers del Tatio, a 4300 metros de altitude, pegamos tempestade de areia e flutuamos nas águas salgadas da Laguna Cejar... Este é o relato de mais um dia na Expedição América do Sul, uma viagem de moto que fiz acompanhado do primo Pedro passando por alguns países da América do Sul durante o mês de setembro de 2013. Uma viagem extraordinária em que foram vivenciadas muitas emoções ao longo do trajeto. Passamos calor e frio, tivemos alegrias e dificuldades, momentos de tranquilidade e apreensão. Continue lendo para acompanhar a viagem.


Trajeto do dia:
Gêiseres del Tatio, Laguna Cejar, Olhos do Salar, Laguna Tebinquinche.

Acerta esse relógio

Conforme alertado pela funcionária da agência de turismo, nossa carona passaria para nos pegar por volta de 5h15 da madrugada, em frente à portaria principal do hotel.

Tomados pelo receio de perder a hora, na noite anterior, o Pedro programou seu telefone para tocar às 3h45 que, pontualmente, começou a berrar no horário pretendido. Naturalmente que a preguiça não me deixou levantar da cama sem antes segurar-me por mais uns 10 minutos.

Passado o sono levanto-me, abro o alforge e pego um pacote de biscoitos para o café da manhã que, mais uma vez, seria no próprio quarto, pois, nenhum café seria servido pelo hotel a essa hora. Algum tempo depois troquei de roupa e coloquei na mochila alguns utensílios que levaria no passeio tais como um uma blusa de frio extra, duas garrafas de água, baterias extras para a câmera, etc...

Muito bem, com tudo pronto, saímos, e a caminho do ponto de encontro, já ia imaginando como seria o passeio aos “Gêiseres del Tatio”, andando por aquelas cortinas de fumaça lançadas pela terra. Então, ao chegarmos na portaria principal do hotel, fomos recepcionados pelo mesmo funcionário que havia nos apresentado o quarto no dia anterior.



Qual não foi a nossa surpresa ao escutarmos o funcionário dizer que o carro que nos levaria para o passeio já havia passado e nos deixado para trás. 

"Como assim?" Perguntei. 

Eram 4h50 e o combinado foi que deveríamos estar na porta do hotel a partir das 4h45. 

"Puxa vida, os caras não nos esperaram nem cinco minutos!?" Retruquei. 

Olhei para o Pedro, e ele olhou para mim, e ficamos como que em estado de choque, pois, tomamos o cuidado de acordar cedo a fim de não darmos margem para nenhum problema na saída. Nesse meio tempo, até levei uma chamada de atenção do Pedro, pois, eu havia me atrasado um pouco para deixar o quarto do hotel.

Consequentemente, na esperança de que a culpa não tivesse sido minha, também imaginei que a funcionária da agência de turismo nos tivesse informado a hora errada. Dificilmente... logo conclui, policiando-me, pois, seria mais provável que tivesse ocorrido um erro exclusivamente nosso mesmo. - Não são 4h50? Perguntei ao funcionário. Ele respondeu: 

"Não. São exatamente 5h50 e vocês estão muito atrasados." 

Insistentemente, como se não acreditasse no que terminara de ouvir, pedi uma confirmação e ele tratou de dizer novamente: 

"Sim, são 5h51 agora."

A partir daí, ainda ficamos alguns segundos atordoados com a notícia e, na sequência, retomada a consciência, demos conta de que realmente havíamos cometido o gravíssimo erro de não nos sintonizarmos com o horário local, fazendo-nos ficar 1h distantes de qualquer compromisso assumido. Ou seja, ao entramos no Chile os ponteiros do relógio deveriam ter sido adiantados para condizer com o horário daquele país, mas, não o fizemos. Assim, da pior maneira, terminamos por descobrir o equívoco. Como? Obviamente, nos “lascando” no passeio aos Gêiseres del Tatio.

Uma segunda chance

Entretanto, nem tudo estava perdido e, aparentemente, ainda havia tempo para pegarmos outra carona para o primeiro destino do dia. Então, o funcionário do hotel deu início a uma corrida frenética na busca por alguém que pudesse nos ajudar. Aquele pequenino senhor, aparentando já ter uma idade mais avançada, do alto dos seus 1,40m de altura (aproximadamente), como um robusto tanque de guerra do exército norte-americano, se lançava contra cada carro ou micro-ônibus que passasse pela rua e com o braço erguido e a mão lançada à frente, num gesto indicativo de "parada obrigatória", indagava: 

"Hola amigo, hay espacio para dos más?"

Enquanto isso, cada minuto a mais de espera nos aumentava a agonia de perdermos o passeio. Após algumas tentativas sem obter sucesso, conseguimos carona em um micro-ônibus que havia parado para recolher outros dois turistas que já o esperavam. Contudo, tivemos que pagar àquela agência de turismo os ingressos para acompanhar o roteiro que esse grupo de turistas iria percorrer. Isto é, por causa da nossa desatenção, pagamos duas vezes pelo passeio aos Gêiseres.

Dessa maneira, aliviados por saber que não perderíamos o passeio, acomodamo-nos nos últimos lugares, bem lá na última fileira do ônibus. Os motores foram ligados, a primeira marcha engatada e, num piscar de olhos, o motorista "pisou na tábua do acelerador" nos colocando em movimento rumo aos 4300 metros de altitude. Em San Pedro de Atacama/Chile estávamos a 2400 metros do nível do mar e levaríamos aproximadamente 1h30 até os Gêiseres.

Os Gêiseres del Tatio

Por uma estrada um tanto ruim, com muitos buracos e inúmeras curvas, chegamos no primeiro destino do dia, os Gêiseres del Tatio. Como esclarecimento, ficam em um campo geotérmico (do grego ge, ges: Terra, thérmos: calor) localizado na Cordilheira dos Andes, a 90 km de San Pedro de Atacama/Chile; é um dos mais altos do mundo. São uma manifestação da natureza onde nascentes de águas termais entram em erupção rotineiramente projetando para o ar fumarolas de vapor e água quente que podem alcançar os 85° C.

O fenômeno acontece a partir do encontro de águas subterrâneas com as rochas aquecidas e/ou lava vulcânica, fazendo com que a água se aqueça rapidamente até seu ponto de ebulição. Nesse instante, a alta pressão formada precisa escapar por algum lugar e é dessa necessidade da natureza que ela encontra nas frestas do interior da terra, o caminho para alcançar a superfície.






Por termos chegado em um horário mais inadequado para apreciar a beleza dos Gêiseres fiquei um pouco frustrado, pois, pensei que encontraria diversas colunas de fumaça e água quente em erupção saindo da superfície, mas, o que vi foram apenas três ou quatro pontos nos quais esse fenômeno natural ainda ocorria. Segundo o guia, o melhor horário para apreciar esse fenômeno é bem no início do alvorecer, entre 6h30 e 7h.







Além disso, ao sair do micro-ônibus, senti uma forte alteração na temperatura ambiente. Realmente, saindo do calor aconchegante do interior do veículo, entrei numa espécie de congelador a céu aberto, devido ao frio e vento (quase cortante) que se abateram sobre mim. Também senti um leve cheiro de enxofre no ar, naturalmente, provocado pelos diversos pontos de escape de pressão ao longo daquele vale.




Foto cedida pelo Pedro


Ficamos algum tempo observando os Gêiseres até que o guia nos reuniu para o café da manhã montado em uma mesa ao lado do micro-ônibus. Em alguns momentos precisávamos virar e nos proteger da ação do vento tamanha era quantidade de poeira levantada e lançada contra nós.


Coragem para um banho termal

Tão logo terminamos o café, rumamos para outro local onde havia piscinas termais.



Ali, sob temperaturas bastante baixas, os mais corajosos se aventuravam em um banho termal, numa piscina aquecida em torno de 30° C. Apenas imaginava a sensação incômoda de ficar exposto, só com roupa de banho, àqueles ventos gelados que nos arrebatavam.




















Um vilarejo simpático

Num dado momento, voltamos para o ônibus e seguimos a caminho do povoado Machuca/Chile, porém antes, ainda paramos para observação de um vale muito bonito por onde passa o rio Putana, alimentado por águas subterrâneas, de águas rasas e com muita vegetação de diferentes colorações.






Voltando para San Pedro de Atacama/Chile, ao chegarmos ao povoado Machuca/Chile pude ver que se trata de um local bastante simples no qual os habitantes vivem, quase que na sua totalidade, da exploração do turismo na região.

O vilarejo contém uma única rua, com não mais do que vinte casinhas de teto revestido com palha dourada e estrutura de pedras e barro. Ao fundo, um pouco mais no alto da montanha, há uma Igreja cujo trajeto até lá realizei com passos calmos e ritmo lento por causa dos efeitos da altitude.






Foto cedida pelo Pedro



Em seguida, terminada a fase de exploração, enquanto esperávamos o fim da visita e o chamado do guia, o Pedro aproveitou para fazer um lanche na pequena venda do povoado. Essa simplória lanchonete tem como cardápio básico empanadas e espetinhos de carne.


Além disso, bem ao lado da lanchonete, havia algumas artesãs que exibiam e vendiam seus trabalhos. O Pedro, para não perder o costume, resolveu comprar algumas lembranças e ainda precisou pagar por uma foto que havia tirado da artesã.


Uma pausa para respirar

Enfim, voltamos para o micro-ônibus e rumamos para San Pedro, sempre rodeados de belas paisagens. Ao chegarmos, por volta de 12h30, fomos direto para o quarto do hotel, deixamos nossas coisas e imediatamente saímos para procurar um local onde pudéssemos comer algo. Encontramos uma lanchonete no final da mesma rua em que ficava o quarto do hotel. Particularmente, queria comer algo mais leve nesse dia, então, acabei por pedir um simples sanduíche que, de simples, não tinha nada. Era tão grande quanto os PF's (Pratos Feitos) que comemos no Peru e na Bolívia.




Terminado o almoço, retornamos para o quarto do hotel e aproveitei para descansar um pouco. Após um breve cochilo, era hora de sairmos para a segunda rodada de passeios da programação do dia. Mais uma vez nos posicionamos na entrada principal do hotel para esperar o carro que nos levaria no passeio da tarde à Laguna Cejar. Todavia, dessa vez, já com os relógios acertados para o horário correto.


Dirigindo quase sem rumo no deserto

Muito bem, pontualmente, no horário combinado, o guia passou para nos apanhar, bem como no local de hospedagem de cada um dos outros integrantes do passeio. Achei legal, pois, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco a cidade. Posso dizer que não vi uma rua sequer com calçamento. Podemos até pensar que quando chove deve ser um caos. Sim! Porém, estávamos no deserto mais árido do mundo e, no deserto, não chove.

Após termos ziguezaqueado pelas ruas estreitas de San Pedro de Atacama/Chile, alcançamos a estrada que nos levaria, deserto adentro, ao primeiro destino da tarde: a Laguna Cejar. Mais à frente, nosso guia nos chamou a atenção para um fenômeno habitual ocorrido nessa época do ano (setembro), ou seja, por causa da ação de fortes ventos, uma enorme tempestade de areia se formara no deserto e estava bem à nossa frente, como uma barreira intransponível no caminho. Mas, o motorista não deu satisfação e, sem pestanejar, lançou o veículo para dentro daquela nuvem de poeira. Logo que entramos a visibilidade tornou-se muito reduzida e quase não se via o veículo da frente. Um leve descuido e não mais teríamos a estrada como guia até o outro lado daquela tormenta e estaríamos à deriva pelo deserto. Para nossa sorte, estávamos apenas como caronas em um carro, pois, imagino que se estivéssemos de moto teríamos passado por apuros.





Foto cedida pelo Pedro



Um mergulho de arrepiar

Sem mais rodeios, chegamos à laguna Cejar, onde o Pedro disse que iria entrar na água a fim de experimentar a sensação prometida de flutuar e não afundar. Porém, na primeira lagoa que visitamos não era possível entrar na água por causa dos inúmeros cristais de sal acumulados nas suas margens, tornando o caminhar descalço bastante propenso a infortúnios e quase que praticamente inviável. Dessa forma, ali, pudemos somente observar e registrar fotos. O guia nos esclareceu que quem desejasse entrar na água teria que fazê-lo na outra parte da laguna Cejar, logo ao lado, e que visitaríamos em seguida. Então, nesse momento ficamos somente com os registros da bela paisagem.






Foto cedida pelo Pedro

Passados alguns minutos, o guia nos convidou a irmos visitar a outra parte da laguna Cejar, afim de a conhecermos e banhar-se quem assim desejasse. Não tardamos em segui-lo. Chegando nesse lado "banhável" da laguna Cejar, ele não demorou a incentivar os que quisessem entrar na água. Disse que havia no veículo um galão de água doce para remover o excesso de sal que certamente se agarraria ao corpo depois do mergulho. 

Naquele frio que já fazia e juntamente com a ventania que tornava a sensação térmica ainda mais baixa o Pedro, corajoso, resolveu encarar o desafio. Eu, que não sou bobo, fiquei quietinho. Como comenta sempre um colega de trabalho, não com essas exatas palavras, mas, tendo o mesmo sentido: 

"Mais vale um bundão vivo do que um corajoso congelado e petrificado". 

E falei ao Pedro, igual a São Tomé: 

"Vá que eu quero ver."





Instantes depois, vem o Pedro, só de sunga e preparado para entrar na água, pronto para o suplício. Recomendo ao leitor que acomode-se em posição confortável, sentado, e mantenha focada a sua atenção para a narrativa vindoura, que tenta descrever com riqueza de detalhamentos todos os instantes dessa odisseia. Não pisque! Não pestaneje!. Nem mesmo um suspiro, sob pena de a menor desatenção furtar-lhe os detalhes dessa arrepiante travessia.

Vejo um passo, outro passo... um quase mergulho... um corpo encharcado... e me volta o Pedro dizendo: 

"Chega! Está bom já." 

E a minha gargalhada soou de volta para San Pedro, para onde os ventos sopravam. As imagens a seguir podem dar melhor noção da realidade.




Foto cedida pelo Pedro 


Rapidamente ele colocou sua roupa e, assim, retornara, um pouco em estado de choque, mas, se recuperando bem. Registrei mais algumas imagens até a hora de partimos.







O deserto nos observa

Nesse momento, pensei que o passeio tinha terminado e voltaríamos para a cidade, porém, para minha surpresa, ainda visitaríamos outras duas atrações da região: a primeira, os "Ojos del Salar" (Olhos do Salar) que são dois poços de água, um ao lado do outro, que ficam a aproximadamente 30 km de San Pedro de Atacama/Chile e bem próximas à Laguna Cejar.



Foto cedida pelo Pedro




Entardecer de cinema

Depois de vistos os Olhos do Salar, fomos levados à laguna Tebinquinche para apreciarmos o fim de tarde, acompanhados de um belo lanche servido numa mesa montada ao lado do furgão e às margens do lago.





Foto cedida pelo Pedro

Foto cedida pelo Pedro

Foto cedida pelo Pedro







Ao anoitecer, voltamos para San Pedro. Acabamos optando por lanchar no quarto do hotel mesmo. Comi alguns biscoitos que havia comprado na noite anterior.


Hotel: $40.000,00 pesos chilenos (US$80,68)




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